segunda-feira, 3 de novembro de 2014

De(s)cente

A gente come enquanto espera o almoço ficar pronto. Faz esquenta pra encher a cara durante a festa e, se possível, no final dela também. Fuma cigarro já que a maconha acabou. Vive almejando sempre chegar mais perto da morte e da dor. A gente não come pelo prazer, pra sobreviver e pelo apreço que é a sobrevivência através do prazer. É pra fazer lotar até a barriga doer, enfatizar o arroto, ter azia e mal estar, pra mal poder se locomover quando levantar. A gente não bebe pra se divertir, pra compartilhar o hábito vulgar. A gente bebe até desmaiar, pra vomitar, cair e mal poder se levantar. A gente não fuma pra relaxar. A gente fuma até perder a consciência, qualquer coisa, de qualquer procedência, desde que sirva pra fugir do que não podemos fugir. Nem daqui, nem de nós mesmos. Até não poder se locomover, até o cérebro deixar de raciocinar, o pulmão apodrecer, o estômago se dissolver em tudo que não se alimenta por não parar de comer e até a bebida, de forma sutil ou visceral, se transformar em você. A gente quer fugir pra não perder essa coisa dentro da gente, esse vazio, essa ausência. Esse infinito muito mal escondido que só é preenchido pela essência.