segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Quando se envelhece por dentro

Acordei com um gosto pegajoso e quente de sangue na boca. Mais gosto de ferrugem do que sangue, porém, mais doce do que ferro enferrujado. Não sei se estou apodrecendo por dentro como o ferro, sobretudo, ninguém precisa ser um bom entendedor da vida pra ver através desses meus olhos fundos cercados por uma olheira profunda e estável que tenho chorado demais nas últimas semanas. Confesso que o gosto não é tão ruim quanto costuma ser quando acordo pela manhã. O gosto é menos putrificado e mais ácido. Não me importo com a acidez. Ela é o de menos. Parecia que eu chupava uma pedra enquanto dormia, depois a engolia e ela dilacerava toda a minha garganta enquanto descia. Deus, que sonho dos infernos! Não me lembro de nada, mas a minha memória está latejando como se eu tivesse sido espancado a cada hora de sono. Ao menos levei no máximo uns quatro socos enquanto dormia; talvez tenha sido a parte boa de ter dormido tão pouco. Sempre tento me manter otimista mesmo na pior das hipóteses. Acordei nocauteado por memórias infernais. Disposto a largar tudo por nada. É preferível ter nada quando não se tem escolha. Eu me lembro de uma coisa:  você dizia pra eu me levantar. Isso me motivava mais e você dizia "levanta, eu quero te acertar em cheio dessa vez. Não se manterá estável comigo enquanto puder se levantar com os próprios pés." E eu pensei que estivesse brincando, que fosse algum tipo daquelas brincadeiras sem graça que volta e meia quando eu tô viajando levo um tapa no ouvido. Pensei que fosse passageiro. Não é legal, mas não chega a ser imperdoável. É meio incompreensível pra mim essa tua crueldade em sentir prazer ao me ver sangrar. Enquanto tudo que eu pedia era amor. Não entendo o que eu fiz pra você continuar me levantando e me acertando com tudo bem no meio daquela linha na face que separa o nariz da boca. Sempre pega no nariz, merda. Não entendo por qual motivo ri disso. O fato é que não é engraçado. Nas primeiras vezes você releva e pensa que é fase, que mulher é tudo igual e que logo eu te faço ver que o amor não precisa machucar dessa forma. Eu também sei que o amor não é tudo isso que você diz, ele é tão banal quanto o soco que eu levo quando você pensa que faço pouco caso do teu sorriso. Sei que já estou velho e que você é bem mais nova. Mas a dor de envelhecer não faz amenizar a dor de carregar você nas costas, e você ainda espera que eu mude a sua vida. Que eu te prove que as cores do pôr do sol são feitas pelo mesmo sol que você reclama o dia todo enquanto mete a cabeça pra fora de casa às onze e meia da manhã. Sei que sou extremamente rabugento quando você sai com as amigas e nem me avisa, mas que diabos de homem eu seria se não ficasse puto da vida?! E sempre que te convido pra sair pra dançar como nos velhos tempos, (eu sei que não danço mas faço por amor e por amar te ver dançar) você diz que a dor de cabeça já consumiu todo o seu corpo. Tento pensar que não é pessoal há uns 30 anos. Droga. Em pensar que fazem 33 anos e meio que eu digo o quanto você é linda e gostosa quando acorda, mesmo não sendo tão sedutora e irresistível quanto há uns anos atrás. Você sabe que não te troco por nada. Eu já te amei tanto e agora tudo que eu sinto é a dor de ter que te carregar enquanto você soca as minhas costas para eu ir mais depressa pra te reerguer quando estiver deprimida. E eu ainda tenho a audácia de perguntar quando é que você vai decidir dizer que me ama e a minha cabeça continua martelando que provavelmente vou ouvir isso quando estiver sem as pernas ou perder a audição. Não faz diferença, de qualquer forma já vou estar muito fodido pra correr atrás de você ou muito velho pra ouvir a tua voz. Bosta, já nem me lembro mais se fazem 19 ou 20 anos que venho dizendo que sou velho demais pra viver nesse lugar.

Um comentário:

  1. Partilho do teu choro e do teu riso, meu amado e, para sempre, ao bem soado!

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